Carta nº 17
O Sr. Pierrepont escreveu para seu pai dizendo que está se dando famosamente bem em sua nova função.
De John Graham, na Casa Graham & Co. de Londres, para seu filho, Pierrepont, na Union Stock Yards em Chicago.
Londres, 24 de outubro, 189-.
Caro Pierrepont,
Finalmente eu estou me dirigindo à casa, checado e empinado como um cavalo de exposição. Aqueles holandeses não são tão ruins quanto sua língua, apesar de tudo, pois eles arrumaram meu reumatismo de modo que eu posso suportar meu peso na perna direita sem achar que vai quebrar.
Eu estou contente em saber pela sua carta que você está se dando tão bem em sua nova função, e eu espero que quando eu chegar em casa seu chefe irá apoiar todas as coisas boas que você diz sobre si mesmo. No futuro, no entanto, não precisa se preocupar em me manter informado nessa linha. É o único assunto em que a maioria dos homens são perfeitamente abertos, e é o único em que não precisam ser. Não há uso algum em tentar esconder o fato de que você é excelente – você será descoberto. Claro, você deve manter seus olhos abertos o tempo todo para encontrar um bom homem, mas siga o bom exemplo – procure por ele debaixo da cama e no armário, não no espelho. Um homem que faz coisas grandes é ocupado demais para falar sobre elas. Quando seus maxilares precisarem de exercício, masque chiclete.
Alguns homens passam a vida na Teoria de Salsaparrilha – que precisam de 100 doses de palestras sobre si mesmo para cada dólar que recebem; e essa é uma ótima teoria quando você está ganhando 1 dólar para cada 10 centavos de ingredientes. Mas um homem que está dando 1 dólar de si por 99 centavos não precisa dar nenhuma explicação.
É claro, você vai conhecer companheiros que se passarão por bons homens por um tempo, porque eles dizem ser bons homens; assim como muitas notas de 5 que estão em circulação são aceitas a seu valor de face até que chegam à caixa receptora. E você vai ver esses homens carregando urubus e vendendo como águias, enganando as pessoas enquanto sobre como conseguem manter os bichos no ar; mas cedo ou tarde eles vão voltar a seu cavalo morto, e você vai sentir o cheiro de urubus.
Ar quente pode levar um balão para longe, mas não pode mantê-lo lá. E quando um camarada está rodopiando entre as nuvens, ele naturalmente vai deixar os fazendeiros boquiabertos. No final sempre chega um momento em que o paraquedas deixa de funcionar. Eu não conheço nada tão morto quanto um homem que caiu de 1.000 metros de altura da ponta de uma nuvem.
A única maneira de gratificar um gosto por paisagens é subir uma montanha. Você não chega ao topo tão rápido, mas você não desce tão de repente. Mesmo assim, existe a chance de um camarada escorregar e cair de um precipício, mas não a menos que seja tolo o suficiente para tentar atalhos por lugares escorregadios; alguns homens conseguem cair da escada da sala e quebrar seus pescoços. O caminho até o topo não é o mais curto, mas normalmente é o mais seguro.
A vida não é uma arrancada, mas uma longa, firme caminhada. Alguns homens trabalham por 1 dia e passam 6 descansando e admirando. Eles se apressam para fazer algo de repente e usam todo seu vento nisso. E depois de descansados e recuperados, eles gritam de novo e partem em nova direção. Eles confundem intenção por determinação, e depois de ter lhe contado o que planejam fazer e sair para fazer, eles deixam pra lá.
Eu ouvi bastante em meu tempo sobre a loucura das galinhas, mas quando se fala de loucura de verdade, penso em um galo, todas as vezes. Ele está sempre empinado e alongado e cantando e se gabando de coisas que não tem nada a ver com ele. Quando o sol nasce, você pensaria que ele está fazendo a luz, ao invés do barulho todo; quando a esposa do fazendeiro joga as sobras no galinheiro, ele canta como se fosse o provedor da fazenda toda e está pedindo benção à comida; quando ele encontra outro galo, ele canta; e quando o outro galo o domina, ele canta; e então ele fica ereto o resto do dia. Ele até acorda durante a noite e canta um pouco sem propósito. Mas quando você ouve uma galinha, ela botou um ovo, e ela não faz muito alarde sobre isso.
Eu falo dessas coisas de modo geral, porque eu quero que você tenha em mente a todo o tempo que trabalho firme, quieto, persistente e simples não pode ser imitado ou substituído por nada; e porque seu pedido de emprego para Courtland Warrington naturalmente traz essas coisas à tona. Você escreve que Court diz que um homem que ocupou a posição dele no mundo não pode se baratear ao descer em qualquer trabalho insignificante onde ele tenha que fazer coisas indignas.
Eu quero começar dizendo que eu conheço Court e toda sua raça, e que nós não podemos usa-lo em nosso negócio. Ele é um daqueles camaradas que começam no topo e naturalmente descem até o fundo, porque é lá onde pertencem. Seu pai o deu um pedaço de seu negócio quando ele saiu da faculdade, e desde que seu pai falhou 3 anos atrás e começou a viver de salário, Court tem sugado dele e esperado que um trabalho bom, digno apareça e o rapte. Mas nós não estamos no ramo de sequestros.
O único trabalho indigno que conheço é vagabundear, e nada pode baratear um homem que suga ao invés de caçar qualquer tipo de trabalho, porque ele é o mais barato possível. Eu nunca pude entender direito esses camaradas que reprimem todo instinto decente para manter aparências, e que se inclina para qualquer tipo de maldade para impulsionar seu falso orgulho.
Eles sempre me lembram do pequeno Fatty Wilkins, que veio morar em nossa cidade em Missouri quando eu era um garoto. Sua mãe pensava o mundo de Fatty, e Fatty pensava tudo de si, ou de seu estômago, que era a mesma coisa. Parecia que ele tinha sido tirado de um livro de piadas. Ele era um ótimo comedor. Se empanturrava até que sua pele se esticava tão justa como uma capa de salsicha, e então berrava por analgésico. Gastava todos seus centavos em bolos, porque balas não enchiam o suficiente. Empanturrava-se deles na loja, por medo que tivesse que dar uma mordida para alguém na rua.
Os outros garotos não gostavam de Fatty, e não mantinham segredo quando ele estava por perto. Ele era um garoto extremamente corajoso, extremamente forte, e extremamente orgulhoso – com sua boca; mas ele sempre conseguia escapar de qualquer coisa que parecesse uma briga por ter uma mão dolorida ou um caso de caxumba. A verdade sobre o assunto é que ele tinha medo de tudo a não ser comida, e isso era a coisa que o estava mais machucando. É raro um camarada ter medo do que deve nesse mundo. É claro, como a maioria dos covardes, Fatty sempre tinha uma desculpa para não fazer algo que pudesse machucar sua pele, mas ele topava qualquer desafio que fazia algo para machucar seu respeito próprio, por medo de que os garotos ririam dele, ou diriam que ele estava com medo, se recusasse. Então um dia durante o recesso Jim Hicks o desafiou a comer um pedaço de terra. Fatty hesitou um pouco, porque, apesar de ser bastante promiscuo com o que colocava no estômago, ele nunca tinha incluído terra em sua conta. Mas quando os garotos começaram a dizer que ele estava com medo, Fatty colocou na boca e engoliu.
E quando ele desafiava os outros garotos a fazer o mesmo e nenhum deles topou, isso o tornou extremamente orgulhoso e inchado. Começou a cobrar 1 centavo dos garotos mais velhos e dos vadios perto do correio para vê-lo comer um pedaço de terra do tamanho de uma noz de nogueira. Descobriu que tinha bom dinheiro nisso, e então adicionou gafanhotos, por 2 centavos cada, como extra. Descobriu que eram tão populares que ele começou a comer percevejos por 5 centavos, e de verdade. A última vez que eu tive notícias de Fatty ele estava num Museu de 10 Centavos, tirando 2 salários – um como “O Homem Gordo” e outro como “Launcelot, O Comedor de Gafanhotos, O Único Homem Vivo com uma Moela”.
Você vai conhecer uma multidão de Fatties. Camaradas que irão comer um pouco de terra “por diversão” ou para se mostrar, e que irão comer um pouco mais porque eles descobrem que há dinheiro fácil nisso. É difícil chamar a atenção desses homens, porque quando perdem tudo o que tinham orgulho, ainda mantêm seu orgulho. Você pode sempre apostar que quando o orgulho de um camarada o torna melindroso, é porque existem pontos falsos nisso.
Orgulho é normalmente um estímulo para os fortes e um entrave para os fracos. Guia os homens fortes e segura os fracos. Faz o companheiro com o lábio superior rígido e o maxilar quadrado sorrir para uma risada e rir de uma chacota; mantém sua consciência reta e suas costas arredondadas sobre seu trabalho; faz com que ele aprecie as pequenas coisas e brigue pelas grandes. Mas faz o companheiro com a testa recuada fazer a coisa que parece certa, ao invés da coisa que é certa; faz com que ele tenha medo de uma risada e se encolha com uma chacota; faz ele viver hoje no salário de amanhã; o torna uma imitação barata de um Willie que tem mais dinheiro que ele, sem dar energia o suficiente para sair e tentar a sorte para si mesmo.
Eu nunca vi um desses camaradas inchando com seu orgulho mesquinho roubado sem me lembrar de uma experiência minha de quando era garoto. Um velho me pegou roubando uma melancia em seu trecho, uma tarde, e ao invés de me esbofetear e me soltar, como eu esperava quando fui pego, ele me levou para casa para minha mãe pelas orelhas, e contou a ela o que eu tinha feito.
Sua avó foi criada no plano antigo, e ela nunca tinha ouvido falar nessas novas teorias de ser gentis com uma criança até que seu lábio inferior comece a inchar e seus olhos a encher de lágrimas quando vê os erros de seus atos. Ela trazia lagrimas sim, mas ela o fazia com um cinto ou tamanco. E sua avó era uma mulher de substância. Nada de frescuras sobre seus pés, e nada de leveza em seus tamancos. Quando ela terminava eu sabia que tinha apanhado – saia até polido – e então ela me mandava para meu quarto e me dizia para não apontar o nariz para fora até que eu pudesse recitar os Dez Mandamentos e a lição da escola dominical de cabeça.
Tinha um capítulo inteiro, e ainda por cima um capítulo do Velho testamento, mas fui direto nele porque eu conhecia mamãe, e o jantar era apenas em 2 horas. Eu consigo repetir até hoje aquele capítulo, até de trás para frente, sem perder uma palavra ou parar para tomar fôlego.
De vez em quando o velho Doc Hoover costumava entrar na sala de aula dominical e assustar os estudantes passando de sala em sala fazendo perguntas. No domingo seguinte, pela primeira vez, eu estava contente por ver acontecer, e eu não tentei escapar da atenção quando ele passava por nossa sala. Por 10 minutos eu estava tentando faze-lo me pedir para recitar um verso da aula, e, quando ele chegou no décimo, eu simplesmente cortei e recitei o capítulo inteiro e joguei os Dez Mandamentos de boa medida. Meio que atordoou o Doc, porque ele já tinha me perguntado sobre o Velho Testamento antes, e nós nunca fomos muito além, E Ahab gerou Jahab, ou palavras de mesmo efeito. Mas quando ele superou o choque, me fez levantar à frente da escola toda e fazer novamente. Afagou minha cabeça e disse que eu era “uma honra a meus pais e um exemplo para meus colegas”.
Eu estava olhando para baixo por todo o tempo, me sentindo bastante seguro e assustado, mas eu não conseguia parar de olhar de relance para cima para ver os outros garotos me admirarem.
Mas a primeira pessoa para quem meu olho acendeu foi sua avó, parada no final da sala, onde tinha parado por um momento no caminho a igreja, e me fitando de uma maneira extremamente desagradável.
“Conte a eles John,” ela disse em voz alta, na frente de todos.
Não tinha para onde correr, pois o Velho estava segurando minha mão, e não tinha lugar para se esconder, apesar de eu pensar que estava rastejando numa toca de ratos. Então, para ganhar tempo, eu soltei:
“Contar a eles o quê, senhora?”
“Conte a eles como você aprendeu sua lição tão bem”.
Eu aprendi a odiar notoriedade ali naquele momento, mas eu sabia que não tinha como influencia-la para falar do tempo quando ela queria falar de religião. Então eu fechei meus olhos e deixei vir, apesar de ter pegado meu palato 1 ou 2 vezes na saída.
“Roubei uma melancia, senhora.”
Não havia necessidade para mais detalhes com a multidão, e eles simplesmente uivaram. Mamãe me levou ao nosso assento, contando como iria lidar comigo na segunda feira por desgraça-la em público daquela forma – e ela o fez.
Tinha uma dose de 12 grãos, sem nenhum açúcar, mas eliminou mais que hipocrisia e orgulho falso de meu sistema do que eu poderia pegar de volta pelos próximos 20 anos. Eu aprendi ali mesmo a como ser humilde, o que é muito mais importante do que saber como ser orgulhoso. Existem extremamente poucos homens que precisam de lições nisso.
Seu pai afetuoso,
John Graham.