Carta nº 12
O sr. Pierrepont aborreceu seu pai ao aceitar suas críticas num espirito de uma gentil, mas sobretudo repreensível, submissão.
De John Graham, na Union Stock Yards em Chicago, para seu filho, Pierrepont, em Little Delmonico’s, Prairie Centre, Indiana.
Chicago, 15 de abril, 189-.
Caro Pierrepont,
Nunca mais me escreva uma outra daquelas cartas tristes, doces, gentis e sofredoras. É apenas natural que um potro dê alguns coices quando for engatado pela primeira vez na carroça, e eu sou sempre um pouco suspeito da criatura que fica quieta demais sob o chicote. Eu sei que não é com a mansidão, mas com a rebeldia que eu devo brigar, mas é difícil dizer o que é pior.
O único animal que a bíblia chama de paciente é o burro, e isso significa tanto boa doutrina quanto boa história natural. Quando eu era um menino, tive que considerar um estudo das mulas do Missouri, porque eu descobri que não são pacientes de verdade, mas apenas fingem ser. Você pode amaldiçoar uma delas até que não sobre nada além de pensamentos sagrados, e você pode chicoteá-la até que fique listrada como uma zebra de circo, e ela irá apenas parecer sofrida e conformada. Mas o tempo todo ela estará se tornando mais e mais má por dentro, adicionando juros de malvadeza a cada trinta dias, e praticando coices na baia até depois do anoitecer.
Claro, nada nesse mundo é inteiramente mau, nem mesmo uma mula, pois ela é metade cavalo. Mas minha observação me ensinou que a metade cavalo é a metade da frente, e que a única maneira de guia-la é com o posterior primeiro. Eu suponho que você poderia treinar uma mula a viajar dessa forma, mas não valeria a pena já que bons cavalos são tão baratos.
É assim que eu me sinto sobre esses jovens preguiçosos, que ficam tentando entrar em cada portão onde pareça ter um pouco de sombra, e ficam mal-humorados e contrariados quando você manda se levantarem. Eles são os homens que estão sempre reclamando que Bill Smith foi promovido porque teve ajuda, e que o gerente os passou para trás porque está com ciúmes. Eu presenciei algumas boas ajudas no meu tempo, mas nunca uma forte o suficiente para levantar um homem mais alto do que ele podia, ou longa o suficiente para alcançar o caixa por mais dinheiro do que o merecido.
Quando um companheiro se vangloria de ter tido ajuda, ele é um mentiroso e seu empregador é um tolo. E quando um companheiro reclama que está sendo passado para trás, a verdade é que, geralmente, seu chefe não consegue levantá-lo. Ele escolhe um lugar macio e agradável, deita com as costas no chão, e reclama que um bruto sem coração o derrubou e está sentado no seu tesouro.
Um bom homem é cheio de elasticidade, como um gato fugindo de um pitbull. Quando ele é jogado pelo cachorro da janela do segundo andar, ele se ajeita no ar para aterrissar direito, e quando o cachorro pula onde ele está, ele não está mais lá, mas em cima da árvore do outro lado da rua. Ele é parecido com aquele pequeno maldito ruivo que nós vimos no jogo de futebol americano que você me levou. Toda vez que uma jogada começava o bando corria para pisotear, agarrar e feri-lo. Num minuto todos estavam em cima dele e no outro ele estava galopando pelo campo, cuspindo cabelo e pedaços de uniforme, ou parado de lado como um porco no gelo, assistindo a bagunça ser resolvida e removerem os aleijados.
Eu não entendi o jogo de futebol americano, mas eu entendi aquele pequeno espoleta. Ele sabia o que estava fazendo. E quando um camarada sabe o que está fazendo, ele não tem que explicar para as pessoas que sabe. Não é o que um homem sabe, mas o que ele pensa que sabe que ele se vangloria. Falar demais significa saber pouco.
Existe uma vasta diferença entre ter um estoque de fatos variados soltos em sua cabeça misturando tudo em trânsito, e carregar o mesmo sortimento devidamente encaixotado e organizado para manuseio conveniente e entrega imediata. Um presunto nunca pesa tanto quanto quando está curado pela metade. Quando estiver mergulhado em todo o pepino que puder, ele tem que suar a maior parte na casa de defumação antes de ficar bom de verdade; e quando você tiver mergulhado toda informação que puder segurar, você tem que esquecer metade dela antes de ter uso real para a Casa. Se existe algo pior que saber muito pouco, é saber demais. Educação vai ampliar uma mente estreita, mas não existe cura para cabeça grande. O melhor que você pode esperar é que irá inchar e explodir; e então, é claro, não sobra nada. Pobreza nunca mima o bom homem, mas prosperidade frequentemente sim. É fácil suportar tempos difíceis, porque é a única coisa que você pode fazer, mas em tempos bons, assassinos de tolos têm que trabalhar de noite.
Eu apenas menciono essas coisas de modo geral. Muitas delas não se aplicam a você, mas não faz mal ter certeza. A maioria dos homens fica vesgo quando tentam se medir, e enxergam um anjo ao invés do que estão olhando. Não há nada que conte a verdade a uma mulher ou que minta mais para um homem do que um espelho.
O que eu tenho certeza é que você ficou mal-humorado muito depressa. Se você soubesse tudo o que vai ter que aprender antes de se tornar um grande, reconhecido comerciante, você teria algo para se aborrecer de verdade.
Quando você estiver devidamente informado sobre o negócio que está visitando – você será capaz de ter a atenção do seu comprador. Todos os outros passos são os que lhe conduzem à confiança dele.
Nesse momento, você vai descobrir que você está no caminho do camarada que casou com sua escolhida e a levou para viver com sua mãe. Ele descobriu que a única forma de fazer uma feliz era deixando a outra louca, e que quando ele tentava fazer as duas felizes ele apenas conseguia deixar as duas loucas. Naturalmente, no final, sua esposa se divorciou dele e sua mãe o deserdou, e deixou o dinheiro para um asilo de órfãos, porque, como ela sensivelmente observou na cláusula adicional, “órfãos não podem ser ingratos a seus pais”. Mas se o homem tivesse um pouco de tato ele as teria mantido em casas separadas, e as faria pensar que tinham se dado melhor que a outra, sem realmente haver diferença.
Tato é a habilidade de se manter quieto no momento certo; de ser tão agradável que ninguém consegue ser desagradável com você; de fazer inferioridade parecer igualdade. Um homem de tato pode tirar o ferrão de uma abelha sem ser picado.
Alguns homens trabalham com verdades, e chamam Bill Jones de mentiroso. Eles são derrubados. Alguns homens trabalham com mentiras, e dizem que o pai de Bill Jones era um grande mentiroso, e que sua mãe se chamava Zafira, e que qualquer pessoa que acredita na teoria Darwiniana deveria ter pena ao invés de culpar seu filho. Eles são repugnados. Mas o homem de tato diz que desde o Barão de Munchausen ninguém foi tão criticado quanto Bill Jones. Esse homem fecha o pedido.
Existem dois tipos de informação: a que todos têm direito, e essa é ensinada na escola; e a que ninguém deve saber - exceto você; e isso é o que você pensa de Bill Jones. É claro, quando você sentir que um homem não é honesto, você irá armado ao seu encontro - e nunca no terreno dele. Faça com que ele seja honesto com você se puder, mas não o deixe fazer você ser desonesto com ele.
Quando você cometer um erro, não cometa o segundo – manter para si mesmo. Confesse. A hora de separar os ovos podres é no ninho. Quando mais você os esconde mais eles ficam em circulação, e pior a impressão que eles terão quando finalmente chegarem à mesa do café da manhã. Um erro brota uma mentira quando você abafa. E uma mentira cria desconfiança suficiente para sufocar a semente de confiança mais bonita que um camarada já cultivou.
É fácil ter a confiança da Casa e a confiança do comprador, mas você tem que ter ambas. A Casa paga seu salário e o comprador lhe ajuda a merecê-lo. Se você esfolar o comprador, você perde o negócio; e se você brincar de pega pega com a Casa você vai perder seu emprego. Você simplesmente tem que andar em linha reta, porque se parar de qualquer lado vai perceber que está cheio de ar embaixo de você.
Mesmo depois de você ser capaz de controlar a atenção e a confiança dos seus compradores, você tem que estar acordado e vestido o dia inteiro para manter o negócio que é seu, e se retorcer e se virar a noite toda para conseguir o negócio do outro camarada. Quando os negócios vão bem, essa é a hora de forçar, porque virá fácil. Quando os negócios vão mal, essa é a hora de forçar, porque nós precisaremos dos pedidos.
Falando sobre negócios, naturalmente me faz lembrar meu velho conhecido, Senhor Doutor Paracelsus Von Munsterberg, que, quando eu era um garoto, veio para nossa cidade “fresco de seus triunfos conciliadores nas cortes da Europa”, como seus folhetos diziam, “não para fazer dinheiro, mas para prover à humanidade sofrida, a bênção sem preço da saúde; para fazer os doentes saudáveis, e os saudáveis ainda melhores.”.
Munsterberg não era um daqueles camelôs rudes, comuns de feiras. Ele era um artigo bastante superior. Tinha bonitos, encaracolados cabelos pretos e não economizava na brilhantina. Usava um chapéu de seda e um paletó Príncipe Albert o tempo todo, a não ser quando estava discursando, e então ele guardava o paletó para ter ação mais livre com seus braços. E quando ele falava ele usava todo o idioma, pode apostar.
É claro, a benção sem preço era colocada em garrafas rotuladas Descobertas Médicas Milagrosas de Munsterberg, e, simplesmente para apresentá-las, ele estava disposto a vender o tamanho pequeno a cinquenta centavos e o grande a um dólar. Além de ser um filantropo o Doutor era muito bom em truques de cartas, tocava o banjo, cantava músicas de negros e imitava uma serra cortando uma tábua com bastante credibilidade.
Todas essas realizações, e a história de como ele curou a irmã do Imperador da Áustria com uma única garrafa, atraíam uma multidão, mas não vendiam uma gota das Descobertas Médicas. Ninguém na cidade estava doente de verdade, e aqueles que pensavam que estavam tinham se estocado na semana anterior com a Cura Quaken Quinine, do camarada que fez promessas tão liberais quando as de Munsterberg e vendia o tamanho grande por 50 centavos, incluindo uma gravura para o salão.
Alguns companheiros teriam apenas amaldiçoado um pouco e continuado para a próxima cidade, mas Munsterberg fez um discurso lindo, elogiando o clima, e dizendo que em sua humilde capacidade ele teve o privilégio de conhecer a força e beleza de muitas cortes, mas nunca tinha estado num lugar onde força era mais forte ou beleza mais bela do que aqui em Hoskins Corners. Ele rezou com todo seu coração, para que a cólera, que estava furiosa em Kentucky, não passasse por ali; que a febre amarela, que estava devastando Tennessee, parasse envergonhada antes chegar a essa fortaleza de saúde, apesar de ter acrescentado que era uma doença peculiarmente maligna e persistente; que a catapora, que estava assustando e descendo do Canadá, castigasse a próxima cidade ao invés da nossa, apesar de saber que não era respeitoso; que a difteria e a febre escarlate, que estavam devastando a Nova Inglaterra e lotando os cemitérios, pudessem ser impedidas de cruzar o rio Hudson, apesar de serem grandes viajantes e bem preparadas para o pior; e que nós todos escapássemos dos calafrios, dores de cabeça, línguas secas, dores nas costas, perda de sono e aquele sentimento de cansaço, mas que era quase demais para pedir isso, mesmo em um clima tão generoso. De qualquer forma, ele nos implorou para evitar remédios fajutos e imitações. Deixava-o triste pensar que hoje nós estávamos aqui e amanhã nós estaríamos pagando a conta do coveiro, e por falta do maior presente ao homem, uma pequena garrafa de Descobertas Médicas.
Eu podia ver que seu discurso deixava muitas mulheres bem inquietas, e eu ouvi a Viúva Judkins dizer que ela estava preocupada que seria um “inverno bem adoentado”, e que não faria mal ter um pouco daquele remédio na casa. Mas o Doutor não ofereceu a bênção sem preço em liquidação novamente. Ele foi direto do seu discurso para uma imitação de cachorro, com um latão preso ao seu rabo, correndo a rua principal de cima a baixo e se arrastando debaixo da loja Si Hooper – uma imitação, ele nos disse, que o Sultão gostava bastante, “ele sendo um homem cruel e se deliciando em torturar as bestas pobres e burras que o Senhor nos deu para amar, honrar e apreciar”.
Ele manteve esse tipo de coisa até que julgou ser nossa hora de ir para a cama, e então nos agradeceu um a um pela nossa gentil atenção, e disse que sua missão na vida era tanto agradar quanto curar, portanto iria ficar até a próxima tarde e fazer uma matinê para os pequenos, que ele amava como seu próprio filho Willie, lá junto ao rio Reno.
Naturalmente, todas as mulheres e crianças voltaram na próxima tarde, apesar dos homens estarem trabalhando nos campos e nas lojas, e o Doutor nos fez gargalhar por meia hora. Então, enquanto ele estava cantando uma música engraçada, Johnny filho da Sra. Brown soltou um uivo de dor.
O Doutor parou prontamente. “Tragam o pequeno sofredor aqui, madame, e deixe-me ver se eu posso suavizar sua agonia”, disse ele.
A Sra. Brown estava bem embaraçada e mais nervosa, mas ela empurrou Johnny, gritando o tempo todo, até o Doutor, que começou a dar tapas em suas costas e olhar sua garganta. Naturalmente, isso vez Johnny gritar mais alto, e sua mãe estava começando a explicar que achava que “tinha pisado no pé machucado dele”, quando o Doutor bateu em sua testa, e gritou “Eureca!”, pegou uma garrafa da bênção sem preço e forçou uma colherada na boca de Johnny. Depois ele deu ao garoto 3 tapas nas costas e 3 batidas no estômago, passou a mão em sua garganta, e tirou um botão de sua boca com a outra.
Johnny fez todos os outros gritos parecerem imitação quando viu isso, e saiu correndo para casa. Então o Doutor levantou sua mão, balançou o botão com a outra mão, e gritou: “Mulher, seu filho está curado! Seu gancho foi encontrado!”.
E então ele começou a explicar que quando bebês engolem botões, ou moedas, ou ossos de peixe, ou ganchos, ou qualquer artigo pequeno, tudo o que você precisa fazer é dar uma colher da bênção sem preço, bater gentilmente antes e depois, segurar sua mão sob sua boca, e o pequeno artigo cairia como chocolate de uma máquina caça níqueis.
Todo mundo começou a falar ao mesmo tempo, agora, e ninguém tinha tempo nenhum para a Sra. Brown, que estava tentando dizer algo. Finalmente ela ficou brava e seguiu Johnny para casa. Meia hora depois o Doutor foi embora de Corners, deixando seu estoque de bênção distribuído – por consideração – entre todas as mães da cidade.
Apenas no próximo dia a Sra. Brown teve a oportunidade de explicar que embora o Doutor tivesse colocado a culpa na bênção, ninguém na sua casa nunca teve um gancho daqueles, porque seu marido usava botas cano alto e ela sapatos, e o pequeno Johnny andava descalço.
Eu apenas menciono o Doutor de passagem, não como um exemplo de moral, mas de método. Alguns vendedores pensam que vender é como comer, satisfaz um apetite existente; mas um bom vendedor é como um bom cozinheiro, ele cria um apetite quando o comprador não está faminto.
Eu não ligo para quão bons os velhos métodos são, novos são melhores, mesmo se forem apenas tão bons quanto. Isso não é tão irlandês quando soa. Fazer a mesma coisa da mesma forma ano após ano é como comer uma codorna todo dia por trinta dias. Perto da metade do mês um companheiro começa a sonhar com uma vaca grelhada ou um pedaço de cachorro frio.
Seu pai afetuoso,
John Graham.